Este sábado eu tinha um casamento pra ir e fui tomar um daqueles banhos imensos, daqueles que a gente passa um sabonete diferente pra cada coisa: é um pro rosto, um pro corpo, um pro pé... lá no meio do banho, depois de escolher cuidadosamente o shampu pra cabelos oleosos, fui pensar se passava ou não um esfoliante no rosto. Na hora, pensei: "óbvio que não! A gente não passa esfoliante em dia de festa, senão a pele fica toda descascada e fica terrível pra passar maquiagem!"
Com a mesma rapidez desse pensamento, veio outro. Como assim eu sei disso? Na verdade, pra que eu sei isso? Eu lembrei de todas as revistas Claudia que li quando era criança, que diziam que tipo de pele combinava com que cor de maquiagem e cabelo e qual era a roupa mais adequada para o trabalho (sem decotes e fendas, por favor!). Lembrei das matérias de "como se preparar para seu casamento", que diziam quando você deveria ter o vestido pronto, as depilações e sobrancelhas feitas e, claro, as esfoliações.
Lembrei das Carícias, Atrevidas e Caprichos, todas falando sobre como conquistar o gato ou que roupa ir para o cinema com ele. Ou então trazendo penteados "fashion" e, para as que podiam ler escondidas, a seção de perguntas sobre sexo. "Se ele gozar na minha calça jeans, será que eu engravido?"
Lembrei e tive nojo de tudo isso (não do gozo na calça jeans; quer dizer, também, mas eu tava falando do resto.) Pensei em todo o tipo de informação que eu tive que engolir, todos os padrões que eu incorporei, todas as roupas que eu julgava certas ou erradas, todos os desejos que eu tinha que achar que eram meus. Eu precisava casar lindamente de véu e grinalda e unhas feitas, e o grande trunfo da mulher moderna era ser uma trabalhadora competente, rica, bem-sucedida, de cabelos e sapatos impecáveis e que ainda conseguia ser a super-mãe, super-esposa, praticar exercícios físicos e passear com o cachorro. Eu precisava me encaixar em tudo, e nada de gordurinhas a mais ou bolsas envelope (a não ser que elas voltem à moda). E tudo para conquistar o amor da sua vida. Porque apesar de todas as brigas, as mulheres não vivem sem os homens e etc etc etc.
Cansei. Cansei de me adequar a sonhos que, de repente, não são os meus. E se eu não quiser casar? E se eu quiser minha liberdade e independência? E se eu não quiser filhos, ou simplesmente não fizer questão de passar por todo o ciclo (eu acho até egoísta) de 9 meses de uma gravidez? E se eu quiser adotar uma criança? E se eu quiser me dedicar apenas à minha carreira, sem marido ou filhos "atrapalhando"? E se eu não quiser ter um homem na minha vida? E se eu quiser usar um sapato vermelho com um batom cor-de-rosa?
Mas eu sei que, no final das contas, eu vou decidir não usar o esfoliante, sair do banho, colocar um vestidinho preto que esconda minhas imperfeições e passar uma camada bem espessa de maquiagem. Uma que possa cobrir tudo aquilo que eu não posso ser.
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5 comentários:
Realidade.
Tosca como só ela pode ser.
Aos poucos, um dia quem sabe, a gente consiga fazer as coisas diferentes, consiga um pouco de liberdade (muitas vezes em relação a nós mesmas)
Beijos!!!
Bem, a primeira coisa que pensei ao ler seu texto é o quanto eu acho que você escreve bem, mas no comentário tem que ter o que acho do conteúdo, né? =)
De fato, a gente cresce no meio de inúmeras regulações, sendo que a maior parte delas a gente nem se dá conta direito e as que a gente "percebe" dificilmente passam por algum processo de crítica. O engraçado é que chega em um ponto que você não sabe mais o quanto a regulação manda na sua vida e o quanto você quer e deseja que essa regulação mande... e é aí que começam as discussões de liberdade de ação e toda essa lenga que eu estudo...
Agora, o que acredito mesmo é que não importa a forma como você lida com todas as "regrinhas" e ditames socializatórios. O que importa é até quando isso faz parte da sua identidade. E até que ponto você deseja que faça...
(PS: a parte do nojo é comica...)
=)
Fazendo das palavras da Gérbera as minhas, deixo por introdução os parabéns. Você desenvolveu a linha de raciocínio - a que lhe levou até o comentado problema dos sonhos "fagocitados"- muito bem. Eu me senti lá no seu banho, entre milhares de shampoos, condicionadores, esfoliantes, e essa enorme lista de etceteras. Parabéns...
Sobre o assunto em si, eu já pensei bastante sobre isso. Sobre os sonhos. Até escrevi um conto enoorme sobre eles. Mas, o que você disse em palavras simples e essenciais foi muito mais direto. Acho que somos isso mesmo né? Os consumidores dos sonhos alheios...talvez seja por isso que ainda "somos os mesmos". Ou não.
Nossa, eu estava pensando em tudo isso esses dias... eu fiquei folheando uma Mariclaire (sim eu faço isso as vezes, sou masoquista u_u) e pensando em quanto estereotipo a gente absorve desde pequenininha, quanta informação de almanaque, quanto... lixo! venho trabalhando faz tempo já para eliminar essas coisas de mim, para conseguir expressar a minha própria personalidade na minha forma de vestir, de falar, de me comportar, mas é difícil, é nadar contra a corrente...
Um abraço a todas.
PS: Nossa, eu entrei aqui porque vi o endereço do site num banheiro da UNB hahahaha nunca pensei que fosse tão bom, adorei, parabéns. Pra vocês verem como sou uma desocupada que não tem nada melhor que fazer do que entrar em sites que viu no banheiro da universidade hahahaha.
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