terça-feira, outubro 16, 2007

Vivemos numa ditadura.

Vivemos numa ditadura. É assim que começo meu texto hoje. Quem viveu na ditadura diria que eu sou uma felizarda por não ter a menor idéia do que estou falando, e espero que seja verdade. De qualquer forma, cada pessoa avalia o mundo a partir de suas próprias experiências, e para mim posso afirmar categoricamente: vivemos em uma ditadura.

São 2:20 da manhã e eu e Violeta acabamos de chegar em casa. Estávamos desde as 22:30 na porta do Presídio Feminino aguardando uma amiga nossa ser solta. O crime dela? Nenhum.

Tudo começou na terça-feira passada. Esta nossa amiga foi visitar outras colegas que estavam em um prédio comercial abandonado. Só para ilustrar a história, as pessoas que estavam naquele prédio pagaram mais de R$800,00 de água e luz atrasados 3 meses para poder utilizar o local. Nenhum "gato" de luz, nada. Continuando... ela foi visitar as colegas, até levou um melancia pro café da manhã. Lá pelas tantas, a polícia entrou no prédio e mandou todas elas mostrarem suas identidades. "Primeiro você mostre a sua", disse uma das meninas. O policial deu um tapa na garota e respondeu: "está aqui a minha identidade". Todas foram levadas para a delegacia, e na TV apareceram imagens do local com uns colchonetes e uma melancia cortada em cima da pia. O motivo: formação de quadrilha.

Na delegacia, as meninas viram os policiais discutirem na frente delas se "plantavam" ou não drogas no local para acusá-las de porte/tráfico de drogas. Elas aguardaram durante todo o dia de terça e nossa amiga, que sofre de uma grave fibromialgia, teve uma crise séria por ter sido privada de seus remédios. Os policiais só a deixaram tomar o remédio porque uma ambulância pública teve de ser chamada para conter a crise.

Passaram a noite lá, e no dia seguinte na hora do almoço foram transferidas para o Presídio Feminino. Decisão arbitrária, sem fundamento, sem provas, sem sentido. Como em toda prisão, elas foram humilhadas, maltratadas por funcionárias, perderam suas roupas e identidades. "Mão pra trás e cabeça pro chão", foram o que mais ouviram durante esses dias.

Passaram a quarta-feira lá, mesmo com toda a pressão feita por grupos de Direitos Humanos. Conheceram outras detentas que estão lá por nada, inclusive uma garota que foi presa porque os policiais não encontraram seu pai e decidiram levá-la para cadeia no lugar dele. Dormiram lá e o juiz disse que daria uma decisão na quinta.

Na quinta-feira, ficamos na expectativa. Aguardamos durante todo o dia. À noite, o juiz disse que trataria do assunto no dia útil seguinte. Como sexta era feriado, a decisão ficou para hoje, segunda. As garotas ficaram a noite de quinta-feira, e sexta, e sábado, e domingo. Por um crime absurdo que nunca cometeram.

Hoje eu saí do trabalho as 22:00 e a Violeta foi me buscar, dizendo que essa nossa amiga seria solta. Fomos direto para a frente do Presídio. Esperamos, esperamos, esperamos. A burocracia levou mais de 2 horas. As outras amigas falaram que tinham grandes suspeitas de seus telefones terem sido grampeados. Por fim, as meninas saíram.

Abraçamos todas, até aquelas que mal conhecíamos. Um monte de gente chorando. Piadas a respeito da tal "quadrilha". Depois de um tempinho, chegaram vários carros de amigos das outras garotas (as que nós mal conhecíamos). Os amigos portavam 2 câmeras filmadoras, faixas de protesto, máquina fotográfica. Muito abraço, muito sorriso, um pouco de choro e muita indignação com tudo que tinha acontecido.

E de repente, não sei de onde surgiram 4, 5, 6 viaturas da polícia. Eles fecharam a nossa saída e começaram a entrar pelo único lado que poderíamos sair. Ficamos com medo, pronto, é nossa vez de ir pra delegacia. Ninguém falou nada, mas todos entraram em seus carros e saíram de fininho, envergonhados, humilhados pelo uso da força. Viemos para casa com medo, silenciados, com o fervor da raiva vindo de dentro. O que fazer para protestar? Se eu reclamar, vão me prender também? E aquela garota que foi presa no lugar do pai, quem vai interceder por ela?

Ao final da noite, a frase mais marcante foi de uma grande amiga da Violeta, que trabalhou incansavelmente para a "soltura" das meninas. Ao abraçar o pai de uma das garotas que estava presa, o pai soltou um "Graças a Deus elas vão sair" - ao que a garota respondeu um: "Graças a nós. Deus estava dormindo".

6 comentários:

Anônimo disse...

vai rolar um ato em solidariedade à galera que ficou presa!
vai ser sexta-feira em frente ao Itaú Cultural

Mariella disse...

Texto de arrepiar. E de deixar com raiva.
Enquanto tem um monte de gente morrendo na mão de bandido a polícia perde tempo pensando em implantar provas para culpar pessoas inocentes.

A coisa tá tão feia que até a justiça se escondeu.

Anônimo disse...

Muito triste e ordinária essa situação por isso que esse país está como está, uma droga.
Estou muito chateada... afff
Detalhe isso vai ficar gravado para sempre nas garotas e na família das mesmas, COVARDIA!!!
Deixo aqui meu abraço e meu apoio para a amiga de vcs e as outras envolvidas.
Beijos.

Ana Arcanjo disse...

meu deus...
eu viajo uma semana e o mundo cai!
que que aconteceu???

Cruela Veneno da Silva disse...

a vida é mesmo assim...

Lisa disse...

Aiai... vai ver essa chuva toda desses últimos dias eram as lágrimas de Deus que lamentou a estupidez humana.